terça-feira, 3 de julho de 2012

Escala de Tempo Geológico

Posted by Luiz R. on 02:39

 


Representação em formato de relógio mostrando algumas unidades geológicas e alguns eventos da história da Terra.



Escala de tempo geológico representa a linha do tempo desde o presente até a formação da Terra, dividida em éons, eras, períodos, épocas e idades, que se baseiam nos grandes eventos geológicos da história do planeta. Embora devesse servir de marco cronológico absoluto à Geologia, não há concordância entre cientistas quanto aos nomes e limites de suas divisões. A versão aqui apresentada baseia-se na edição de 2004 do Quadro Estratigráfico Internacional da Comissão Internacional sobre Estratigrafia da União Internacional de Ciências Geológicas.

Linha do tempo gráfica







Milhões de Anos

OBS: As três últimas épocas do período Neogeno, não couberam por extenso no gráfico acima. Corresponderiam, respectivamente, ao Plioceno (compreendida entre 5 milhões e 332 mil e 1 milhão e 806 mil anos atrás), Pleistoceno (compreendida entre 1 milhão e 806 mil e 11 mil e 500 anos atrás) e Holoceno (iniciou-se cerca de 11.500 anos atrás, estendendo-se até o momento presente).




 O tempo é uma grandeza fundamental da Física, assim como a massa e a distância (o Sistema Internacional define o segundo como unidade de tempo, o kg como unidade de massa e o metro como unidade de distância). É necessário quantificar o tempo para definir o que são processos e mudanças e para que relações de antes e depois possam ser estabelecidas.
               Uma vez que as rochas são registros de processos geológicos é possível determinar processos que ocorreram no passado através do estudo dessas rochas e, assim, entender como era o nosso planeta em tempos anteriores ao surgimento das formas de vida complexa. Diferentes ramos da geologia estudam os processos e respectivos registros geológicos. Por exemplo: a petrologia analisa as rochas e os processos formadores de rocha, a geologia estrutural estuda as estruturas deformacionais e os mecanismos de deformação das rochas, e a paleontologia investiga os fósseis e a evolução da vida. Entretanto, o entendimento da evolução da Terra e do significado de cada um dos processos geológicos nessa evolução só é possível após o estabelecimento das relações temporais entre os registros geológicos. Definir métodos para estabelecer estas relações é, portanto, fundamental na geologia e um dos principais objetivos de todos os geológos, independentemente de sua especialidade.
A Estratigrafia é o ramo das ciências geológicas que investiga a distribuição temporal do registro geológico. De modo geral a estratigrafia dedica-se principalmente ao estudo das rochas estratificadas, i.e. sedimentares. Mas, porque o estudo das rochas enquanto registro do tempo geológico teve início nesse tipo de rocha, a estratigrafia também estuda os diversos métodos datação dos eventos geológicos (neste caso não se restringindo às rochas sedimentares). Além disso, a estratigrafia também é responsável pela normatização da nomenclatura utilizada para designar grupos de rochas.
               Tratando-se de relações temporais duas abordagens podem ser adotadas. Por um lado, pode-se determinar uma sucessão temporal de eventos, sem que se saiba exatamente quando e quanto tempo esses evento levaram para acontecer, estabelecendo assim uma datação relativa de eventos.  Outra alternativa é determinar quando os eventos aconteceram através da obtenção de uma idade absoluta. De modo geral o geólogo trabalha com as duas formas de abordagem do tempo de forma complementar.
               O desenvolvimento dos métodos de datação, entretanto, só foi possível após o entendimento da escala de tempo envolvida nos processos geológico era imensamente diferente da escala humana. O debate acerca da escala do tempo geológico e o desenvolvimento de uma concepção de tempo profundo (longo) perdurou aproximadamente um século, iniciando-se com a formulação da Teoria do Uniformitarismo por James Hutton em 1792. Até então, a noção de tempo dominante era aquela dada pelo estudo criterioso da Bíblia e de outros textos sagrados que estimavam que a Terra teria sido criada em 26 de outubro do ano 4004ac, às nove horas da manhã. As principais teorias que fundamentaram a Estratigrafia moderna foram as do Uniformitarismo, do Catastrofismo e do Atualismo. Essas teorias serão discutidas mais adiante após a apresentação dos métodos de datação relativa.
               Os métodos de datação relativa foram os primeiros a serem desenvolvidos, pois não dependiam de desenvolvimento tecnológico e sim do entendimento de processos geológicos básicos e do registro desses processos. Os princípos que permitem a datação relativa são bastante simples e sua aplicação é quase sempre possível em campo quando mais de uma rocha ocorre em um mesmo afloramento. A datação relativa permite estabelecer a sucessão temporal das rochas de uma região, formando uma coluna estratigráfica. As rochas são representadas em uma coluna estratigráfica, de modo que as rochas mais antigas são colocadas na base e as mais jovens no topo. Esta formalidade tem origem em um dos princípios fundamentais da estratigrafia (o da Superposição Vertical das Camadas) que veremos a seguir.

 

Princípio da Superposição de Camadas (Steno 1669)

               Segundo este princípio em qualquer seqüência acamadada a rocha (camada) mais jovem é aquela que se encontra no topo da seqüência. As camadas inferiores são progressivamente mais antigas. Este princípio pode ser utilizado em depósitos sedimentares formados por acresção vertical, mas não naqueles a acresção é lateral (e.g. terraços fluviais). Outro contexto que não permite a aplicação deste princípio é o de camadas deformadas quando a deformação modifica a posição original das camadas. Neste último caso, entretanto, será possível determinar a idade relativa dos estratos caso a deformação não tenha sido muito intensa e ainda sejam reconhecidas feições indicativas da posição relativa de topo-base e de fósseis-índices nas camadas estudadas. O princípio da superposição das camadas é válido para as rochas sedimentares e vulcânicas (basalto) que se formam por agradação vertical de material, mas não pode ser aplicado a rochas intrusivas e deve ser aplicado com cautela às rochas metamórficas.
Figura 1 – Foto do Grand Canyon com camadas horizontais em sua posição original. As camadas mais antigas são aquelas localizadas na base da seqüência.

 

Princípio das Relações de Corte (Hutton 1792)

               Segundo o princípio das relações de corte uma rocha ígnea intrusiva ou falha que corte uma seqüência de rochas é mais jovem que as rochas por ela cortadas. Esse princípio permite a datação relativa de eventos em rochas metamórficas, ígneas e sedimentares, sendo fundamental para o trabalho em terrenos orogênicos jovens (cinturões orogênicos) e antigos (escudos). Este princípio é válido para qualquer tipo de rocha cortada por umas das feições acima relacionadas.

 

Princípio dos Fragmentos Inclusos (Hutton 1792)

                Este princípio de datação relativa diz que os fragmentos de rochas inclusas em corpos ígneos (intrusivos ou não) são mais antigos que as rochas ígneas nas quais estão inclusos. Este princípio, juntamente com o princípio das relações de corte, é fundamental em áreas formadas por grandes corpos intrusivos permitindo a datação relativa não só de rochas estratificadas, mas também de rochas ígneas e metamórficas (se estas ocorrerem como fragmentos inclusos). Muito importante para a datação relativa de terrenos pré-cambrianos. Válido para rochas ígneas e aplicável também a conglomerados. Nas rochas ígneas e conglomerados metamorfizados essa relação pode estar preservada, pemitindo estabelecer as relações temporais entre as rochas originais (hospedeira e fragmento incluso) antes do metamorfismo.

 

Discordâncias (Hutton 1792)

               As discordâncias são superfícies de erosão ou não deposição, abaixo das quais pode exitir qualquer tipo de rocha, mas acima das quais só podem existir rochas sedimentares. Estas últimas são sempre mais jovens que as rochas abaixo da discordância. Além de permitir a datação relativa de rochas em um afloramento, a presença de uma discordância indica que houve erosão de parte do registro geológico naquele local. Assim, as discordâncias constituem uma prova indiscutível de que o registro geológico não é completo.
               Dependendo do tipo de rocha, da posição das estruturas sedimentares abaixo da discordância e da geometria da superfície de discordância estas podem ser classificadas em: (i) discordância paralela (paraconformidade); (ii) discordância angular ou (iii) inconformidade (“litológica”).

Figura 2 - Siccar Point. Discordância angular reconhecida por Hutton para ilustrar o conceito proposto por ele.


 
Figura 3 – Esquema ilustrando vários principíos de datação relativa. O granito corta as camadas da seqüência sedimentar localizada abaixo da discordância angular e contém xenólitos dessa seqüência. Essas relações indicam que as rochas sedimentares localizadas abaixo da discordância são as mais antigas. Acima da discordância encontram-se as rochas sedimentares mais jovens. Note que essas rochas contem clastos (pebbles) do granito.

 

Princípio da Sucessão Faunística (Smith 1793)

               Antes de Charles Darwin começar sua viagem histórica com o Beagle (1832), quando coletaria o material para escrever seu famoso livro “Origem das Espécies”, a existência de antigos sinais de vida nas rochas já era conhecida. Embora os fósseis fossem reconhecidos desde a Grécia Antiga, por muito tempo foram interpretados como “brincadeiras da natureza” até o Resnacimento, quando Leonardo da Vinci as interpretou como formas de vidas passadas. Willian Smith, um engenheiro britânico, foi o primeiro a reconhecer que o conteúdo fossilífero de camadas, por vezes de mesmo tipo de rocha, variava sistematicamente das mais antigas para as mais jovens. O mesmo fato foi logo verificado em outras partes do mundo, e o Princípo da Sucessão Faunística passou a ser aplicado à datação relativa e correlação estratigráfica (ver abaixo) de rochas sedimentares.
               O Princípio da Sucessão Faunística diz que os grupos de fósseis (animal ou vegetal) ocorrem no registro geológico segundo uma ordem determinada e invariável, de modo que, se esta ordem é conhecida, é possível determinar a idade relativa entre camadas a partir de seu conteúdo fossilífero. Ou seja, pode-se dizer que fóssil = tempo. Esse princípio, inicialmente utilizado como um instrumento prático, foi posteriormente explicado pela Teoria da Evolução de Darwin: uma vez que existe uma evolução biológica irreversível através dos tempos geológicos, os fósseis devem se ordenar no tempo segundo uma escala evolucionária. Diversos períodos marcados por extinção de grande parte do conteúdo fossilífero são conhecidos na história da Terra e levaram ao desevolvimento da Teoria do Catastrofismo (Cuvier 1796).


Figura 4 - Ilustração de Cuvier exemplificando o Princípio da Sucessão Faunística.


Conceitos fundamentais para aplicação dos fósseis na datação
Fóssil: todo e qualquer vestígio de atividade biológica registrada nas rochas (e.g. conchas, ossos,  buracos de vermes, etc).
Fóssil-índice: correponde a um organismo que viveu por um período de tempo geologicamente curto, mas que ocupou um grande espaço geográfico. Normalmente são animais marinhos, e.g. Grupo das Trilobitas (foto abaixo), típico do Perído Cambriano (570-505 Ma).
 
Figura 5 – Foto de Trilobita. Fóssil-guia do Período Cambriano.
Associação Faunística. um conjunto de fósseis, que embora isoladamente não tão restritos a um intervalo de tempo, em conjunto caracterizam um intervalo de tempo específico.

 

Correlação

               Em cada afloramento encontra-se apenas uma parte da história geológica de uma região. Para se determinar a história completa de toda a região e até do continente e da Terra é necessário “somar” os fragmentos da história geológica de vários locais. Uma vez determinadas as idades relativas entre as rochas de um afloramento, construindo assim uma coluna estratigráfica local, tenta-se correlacionar essa coluna à de outros pontos de modo a abranger um intervalo de tempo maior “empilhando” o registro geológico de todos os afloramentos.
               Correlacionar, no sentido estratigráfico da palavra é reconhecer igualdade entre pacotes de rochas separados no espaço, tanto quanto ao aspecto litológico quanto ao aspecto temporal. A correlação estratigráfica, portanto, pode basear-se em características litológicas ou em relações temporais das rochas. O objetivo da correlação é reconhecer pacotes de rochas, pertencentes a um só corpo e desenvolvidas em um mesmo intervalo de tempo, em condições similares, e que partilharam de uma história comum. Os principais métodos de correlação estratigráfica são: o da continuidade física, o das caracteríticas distintivas, o da posição estratigráfica e os biológicos. Esses métodos são empregados principalmente no estudo de unidades litoestratigráficas. Embora os três primeiros métodos também sejam aplicáveis, de certa forma, às rochas intrusivas e metamórficas, o principal método de correlação neste caso envolve datação radiométrica, que será visto mais adiante.

Continuidade física

               É o método de correlação que se baseia na existência de camadas cuja continuidade pode ser observada. Este método, embora muito seguro é limitado espacialmente e por condições ideais de afloramento (e.g. Grand Canyon) tais como: vegetação esparsa, solos pouco desenvolvidos terreno com ausência de pertubação estrutural.

Características litológicas distintivas

               Considera as semelhanças litológicas entre corpos isolados tais como: composição mineral, textura, estruturas primárias, espessura, etc. Dois problemas devem ser considerados nessa metodologia:
*             a possibilidade de convergência litológica através dos tempos. Isto porque os processos formadores de rochas repetem-se no tempo, podendo gerar rochas semelhantes com idades muito distintas;
*             a existência de variação espacial nos ambientes sedimentares, originando diferentes tipos de rochas no mesmo intervalo de tempo. Neste caso, o trabalho de correlação requer o reconhecimento das variações laterais existentes no campo para que a correlação possa ser corretamente estabelecida.

 Posição estratigráfica

               É comum reconhecer-se em um afloramento mais de uma camada de uma mesma rocha. Como correlacionar estas camadas a uma única camada, da mesma litologia (ex. calcário) observada em outra região? Uma característica importante a ser considerada é a posição relativa dessas camadas em relação a outras rochas associadas espacialmente. Estão elas no topo da unidade litoestratigráfica, ou na porção basal? Estão abaixo ou acima de uma determinada camada facilmente reconhecida e correlacionável nos dois locais? Neste caso o conceito de camada-guia é fundamental.
Camada-guia: é uma camada com características particulares e com grande expressão regional o que permite reconhecê-la em diversas regiões distantes. De grande auxílio  para a correlação estratigráfica com base na posição das demais camadas em relação a ela.

 

Métodos biológicos

               Esses métodos baseiam-se essencialmente no Princípio da Sucessão Faunística, descrito acima, que permite que camadas que afloram a longa distância sejam correlacionadas por seu conteúdo fossilífero. O maior problema na utilização de fósseis na correlação estratigráfica está na possibilidade desses fósseis trascenderem, ainda que localizadamente, o intervalo de tempo a que são normalmente atribuídos. Além disso, existe um forte controle ecológico sobre o desenvolvimento das espécies animais e vegetais (ex. ambiente lacustre x ambiente marinho), além do controle da seleção natural. Assim, rochas de mesma idade podem apresentar associações fossilíferas bem distintas.
               Essencialmente a correlação estratigráfica com este método baseia-se na presença de fósseis-índice  e de associações fossilíferas.
Texto Complementar
DENOMINANDO AS ROCHAS FORMALMENTE - Normas da classificação estratigráfica
               Além de estudar o registro do tempo, a estratigrafia é responsável pela normatização da denominação das rochas. Para este fim são considerados dois grandes grupos de rochas que obedecem diferentes normas de denominação. As rochas formadas por acresção vertical, i.e. aquelas que constituem camadas (rochas sedimentares e vulcânicas), constituem unidades litoestratigráficas. As demais rochas (intrusivas e metamórficas) são agrupadas em unidades litodêmicas. As rochas sedimentares metamorfizadas que preservam suas relações estratigráficas podem também ser denominadas como unidades litoestratigráficas. As principais normas para denominação de cada tipo de unidade estão apresentadas abaixo.

Unidades Litoestratigráficas
As rochas sedimentares, vulcânicas e sedimentares metamorfizadas em baixo grau são divididas nas seguintes unidades principais, de valor hierárquico decrescente:
Supergrupo (associação de vários Grupos)
Grupo (duas ou mais Formações)
Formação
Membro (parte de uma formação)
A Formação é a unidade litoestratigráfica fundamental, composta por uma camada ou um pacote de camadas de uma ou mais litologias, com bom grau de homogeneidade litológica. Pode ser constituída por um único tipo de litologia ou por uma repetição de dois ou mais tipos litológicos ou possuir uma composição litológica heterogênea que defina por si mesma carater distintivo das unidades litoestratigráficas adjacentes.
               O nome de cada uma das unidades referidas é dado da seguinte forma:
Unidade Litoestratigráfica +  Nome Geográfico
Onde o nome geográfico (toponímea) é um local de fácil localização, onde a unidade foi descrita originalmente e no qual a mesma apresente suas características mais distintivas. Ex: Formação Rio do Rasto, Formação Botucatu, Grupo Bom Jardim, Formação Serra Geral.

Unidades Litodêmicas
               Divisão com base em aspectos litológicos de rochas que não obedecem a Lei de Sucessão Vertical de Camadas, i.e. rochas ígneas intrusivas e rochas metamórficas. Esse tipo de nomenclatura no Brasil é utilizado principalmente para estratigrafia do Pré-cambriano. As unidades devem ser mapeáveis e devem mostrar contatos bem definidos com outras unidades.
               As rochas ígneas intrusivas e as rochas metamórficas podem ser divididas nas seguintes unidades:
               Litodema ou Corpo - corresponde aproximadamente à Formação, mas nesses caso a unidade corresponde a um único corpo de rocha ígnea intrusiva ou metamórfica. O nome da unidade é dado considerando-se o tipo de rocha juntamente com uma toponímea na qual a unidade esteja bem representada. Exemplo: Anortosito Capivarita, Granito Santana.
               Suíte - Corresponde aproximadamente a Grupo, sendo formada por 2 ou mais litodemas de mesma espécie. Por exemplo pode-se ter uma Suíte composta por rochas metamórficas ou por rochas ígneas intrusivas. O nome da unidade é dado considerando-se o grau hierárquico, a natureza dos litodemas que a compõem e uma toponímea na qual a unidade esteja bem representada. Exemplo: Suíte Granítica Caçapava do Sul.
               Complexo - Não tem equivalente de grau hierárquico. É composto por litodemas de duas ou mais classes que não possam ser mapeadas separadamente. Nesse caso o nome da unidade é dado considerando o grau hieráquico + toponímea, similarmente as demais unidades. Exemplo: Complexo Metamórfico Porongos



 

Introdução

" Por volta de 1540 o arcebispo Ussher estabeleceu uma cronologia "geológica", segundo a qual a Terra teria sido criada a 26 de outubro do ano 4004ac, às nove horas da manhã!" (Allégre, 1987)
               Embora já no século XIX existisse um conhecimento geral das colunas estratigráficas da Inglaterra e França, não se sabia ao certo quanto tempo estava envolvido na formação desses empilhamentos. Sabia-se, sim, que a espessura dos "terrenos estratigráficos" refletia um determinado intervalo de tempo. Com o acúmulo de dados verificou-se que havia terrenos que apresentavam características similares. Portanto, estes terrenos podiam ser correlacionados e, com base nos métodos de datação relativa, ser empilhados, formando uma coluna estratigráfica geral: a Escala Geológica do Tempo. Com o passar do tempo (humano) começou a fazer-se sentir a necessidade de calibrar a escala geológica em unidade de tempo. Para isso era necessário desenvolver métodos de datação absoluta.
               Os primeiros métodos de datação baseavam-se na observação de processos geológicos e suas taxas. Assim, através do registro geológico seria possível estimar o tempo envolvido na formação de um determinado volume de rochas. Seguindo um método desse tipo Charles Darwin afirmou que seriam precisos 300 Ma para escavar o vale de Wealden, SE da Inglaterra. Já J. Joly calculou a "idade dos oceanos", comparando a salinidade dos oceanos com a quantidade de sais trazida pelos rios e afluentes, obteve uma idade de quase 100 Ma para o mesmo e para a Terra. Lord Kelvin, defensor da cronologia curta, amparado em cálculos de resfriamento da Terra, estimou da mesma forma idades inferiores a 100 Ma.
               Em contrapartida, geólogos como Hutton e Lyell defendiam que o tempo geológico era profundo, muito superior ao que a humanidade era capaz de compreender. Essa idéia está bem expressa nas afirmações de Hutton de 1788 (Gould 1987):
"O tempo, que é a medida de todas as coisas em nossa idéia e costuma ser deficiente para nossos projetos, é infindo na natureza e como que nulo."
" Se a sucessão de mundos está determinada no sistema da natureza, é vão buscar algo superior na origem da Terra. O resultado, portanto, da nossa investigação é que não encontramos nenhum vestígio de um princípio - nenhuma perspectiva de um fim."
               Essas duas idéias de uma cronologia relativamente curta (100 Ma) e de uma cronologia extremamente longa, tanto que não tinha nem princípio nem fim, deu origem a duas correntes do pensamento geológico que dominaram por muito tempo: o catastrofismo (Seta do Tempo Curta) e do Uniformitarismo (Ciclo do Tempo Longo).
               A progressão do conhecimento sobre os processos geológicos (salinidade do mar constante, produção de calor por decaimento radioativo) e o surgimento de novas tecnologias (métodos de datação radiométricos) mostraram que Hutton tinha razão, ao menos com que diz respeito à dimensão do tempo geológico (c.a. 4,6 Ga). A Teoria do Uniformitarismo, entretanto, não é plenamente correta: o tempo geológico é longo sim, mas não é infinito ou cíclico, e a história do planeta foi marcada por diversos eventos catastróficos. A nossa Terra teve um começo e um dia terá um fim. Mas a idéia principal da Teoria do Uniformitarismo, de que apenas processos que podemos entender e observar são considerados para interpretar o registro geológico (Atualismo) continua sendo um dos princípios fundamentais da geologia.

Princípios da datação absoluta – métodos radioamétricos

               O descobrimento da radioatividade em 1896 por Becquerel tornou-se o principal instrumento na comprovação do tempo geológico longo. Os métodos de datação radiométrica, entretanto, só foram completamente desenvolvidos e amplamente aplicados a partir dos anos 50, quando a radioatividade se tornou mais completamente entendida e os equipamentos necessários (i.e. espectrometro de massa) para a sua aplicação na datação fossem desenvolvidos.
Figura 6 – Equipamentos como o espectrômetro de massa do Laboratório de Geologia Isotópica da UFRGS podem medir concentrações muito pequenas dos isótopos radioativos e radiogênicos contidos nos minerais e rochas.
               Os métodos de datação radiométrica baseiam-se no fato de que o decaimento de cada tipo de átomo ocorre em proporções constantes, segundo taxas exponenciais, que não são afetadas por agentes físicos ou químicos externos. A velocidade de decaimento depende apenas da estabilidade dos núcleos radioativos e é constante para cada tipo de isótopo radioativo. A equação que rege o decaimento é a seguinte:
onde N é o número atual de núcleos radioativos, No o número original, l a taxa de decaimento e t o tempo.
               A lei probabilística que rege o decaimento não permite prever quando um determinado átomo deve decair, mas permite afirmar com precisão, que em determinado tempo a metade de uma amostra de isótopos radioativos terá decaído para o isótopo radiogênico. Este tempo é denominado de Meia-vida (t½).  Está relacionado com a taxa de decaimento l da seguinte forma:
               Cada elemento possui um número atômico (número p de prótons no núcleo) característico, mas pode apresentar isótopos com número de massa diferente (número de prótons mais neutrons). Da grande quantidade de nuclídeos que se conhece (cerca de 2000), a maioria é radioativa, isto é decai para núcleos com número de massa menor. Os elementos gerados por decaimento radioativo são denomindados de radiogênicos. O decaimento ocorre principalmente pela emissão de dois tipos de partículas: a partícula alfa (um núcleo de He, consistindo de 2p+2n) e a partícula beta (um elétron proveniente do núcleo por decaimento de um neutron em um próton e um elétron) e pode ser simples (elemento pai para elemento filho) ou serial (elementos radioativos intermediários). As meias-vidas são na maioria das vezes muito curtas - de frações de segundos a alguns dias. Dentre os inúmeros isótopos radioativos existentes na natureza apenas cinco tem meias vidas suficientemente longas, para serem utilizadas na datação de materiais geológicos. Os elementos pai (radioativos), elementos filho (radiogênicos) e suas meias-vidas estão na tabela seguinte:
Elemento Pai
Elemento Filho
Meia -vida   (t1/2)
238U
206Pb
4,5 Ga
235U
207Pb
0,733 Ga
232Th
208Pb
14,1 Ga
147Sm
143Nd
108 Ga
87Rb
87Sr
4,7 Ga
40K
40Ar
1,3 Ga

               O método  de Carbono 14 (14C ® 14N) não é normalmente aplicado em Geologia, pois a  meia-vida do 14C é muito curta (= 5730 anos), não sendo compatível com a taxa da maior parte dos processos geológicos. É conveniente apenas para datação em estudos arqueológicos, compreendendo bem o espaço da existência de humanóides na Terra dentro de um intervalo de tempo equivalente a 7-10 meias-vidas do 14C.
               A datação radiométrica de um sistema qualquer se baseia na acumulação de elementos filhos a partir do decaimento de um tipo do átomo pai. Para isso é necessário conhecer os números de átomos pai (NP) e átomos filho  (NF) e a taxa de decaimento (l) ou a meia vida (t1/2) do átomo pai. A idade do sistema pode ser determinada aplicando-se as fórmulas:
     ou      

 

Métodos de datação radiométricos aplicados em geologia.

               A aplicação de métodos de datação radiométrica às rochas presupõem que:
1. a rocha ou mineral tenha se comportado como um sistema fechado  após a sua formação;
2. que na sua origem a rocha ou mineral não tenha contido elementos-filho, ou que o número de elementos-filhos existentes inicialmente seja conhecido;
3. que a meia-vida do elemento-pai seja compatível com a idade a ser datada;
4. que a rocha/mineral contenha os elementos-pai e filho em quantidades analisáveis, o que depende, além da questão comentada no ítem 3, da afinidade geoquímica desses elementos.
               Embora o princípio básico da datação radiométrica seja bastante simples, o procedimento real é relativamente complicado e a interpretação dos resultados ainda mais complexa. Os elementos radioativos ocorrem em proporções muito pequenas nos minerais e rochas, requerendo métodos analíticos muito precisos, capazes de separar isótopos de um mesmo elemento pelo seu número de massa. O equipamento utilizado para este fim é o espectrômetro de massa que permite a detecção de elementos com concentrações de até n partes por trilhão (ppt).
               D e modo geral, quando se pretende datar uma rocha diversos tipos de métodos são utilizados. A idade obtida com cada método pode não ser igual às determinadas por outros métodos radiométricos. Isso não significa necessáriamente que existe algum problema com a datação, pode significar de fato que as idades representam eventos geológicos distintos porque cada tipo de elemento possui um comportamento químico diferente durante os processos geológicos. Assim, cada método de datação vai permitir a obtenção de idades de formação da rocha ou de processos geológicos superpostos que afetaram essa rocha. De maneira geral, os métodos radiométricos aplicados em geologia permitem datar minerais ou rochas e o significado normal do dado obtido é o que segue:
*             K-Ar: estabilização crustal, vulcanismo recente, sedimentação (diagênese) e eventos metamórficos de diferentes temperaturas;
*             Ar-Ar: eventos metamórficos de diferentes temperaturas;
*             Rb-Sr: magmatismo, metamorfismo;
Figura 7 – Exemplo esquemático de isócrona Rb-Sr com amostras com razão inicial Rb/Sr diferente. A idade é proporcional a inclinação da reta isócrona. A isócrona pode ser obtida com amostras de rochas ígneas geneticamente relacionadas ou a partir de amostras de rocha e seus diferentes minerais.
*             Sm-Nd: idade de separação do magma do manto, idade de formação crustal, metamorfismo, idade de cristalização ígnea.
Figura 8 – A figura ilsutra uma isócrona Sm-Nd que baseia-se no mesmo princípio que a isócrona Rb-Sr. Neste exemplo a isócrona foi obtida para uma rocha a partir de seus minerais constituintes
*             U (ou Th)-Pb: idade de magmatismo e metamorfismo em uma mesma rocha.
Figura 9 – A figura ilustra um diagrama discórdia utilizado para obtenção de idades U/Pb. Diversos zircões foram datados e as razões isotópicas Pb/U deles definem uma linha (discórdia) em relação à curva concórdia. As intersecções da discórdia com a concórdia definem as idades de dois eventos geológicos distintos para a mesma rocha (por exemplo magmatismo e metamorfismo).

Figura 10 – Idades U/Pb em zircão também podem ser obtidas puntualmente através do método analítico SHRIMP. No exemplo acima o núcleo e a borda do grão de zircão foram datados e forneceram idades com uma diferença de aproximadamente 100 milhões de anos. Isso quer dizer que o grão de zircão cresceu durante diferentes eventos geológicos (por exemplo magmatismo e metamorfismo).

Outros Métodos de Datação Absoluta

               Além dos métodos de datação radiométricas, as rochas sedimentares podem ser datadas através de seu conteúdo fossilífero utilizando-se os conceitos de fóssil-índice e associação fossilífera.
               Outro método aplicável de forma restrita é o da dendrologia que se baseia no conhecimento do padrão dos anéis de crescimento de árvores de uma dada espécie em uma região específica. O padrão de variação dos anéis em uma árvore deve ser comparado com uma escala mestre e permite a datação da época em que a árvore estava viva (não necessariamente a idade do sedimento).
               A datação absoluta também pode ser realizada por meior do método de traços de fissão. Este método baseia-se no fato de que certos elementos decaem por fissão danificando a estrutura do material circundante (o mineral). Cada emissão de dois núcleos é registrada como “traços”. O número de traços depende da quantidade de urânio no mineral e do tempo decorrido, o que posibilita sua utilização na datação absoluta. Os traços da fissão só ficam registrados nos minerais até uma certa tempertura, acima da qual são apagados. Por outro lado se o tempo decorrido for muito grande, a contagem do número de traços (que é feita com um microscópio) torna-se difícil devido ao excessivo número de traços formados. Assim, o método de traço de fissão só pode ser aplicado para datação de eventos não muito antigos e de baixa temperatura (até 200oC).
Figura 11 – Traços de fissão em apatita.
               A determinação da idade da Terra esbarra em dois problemas principais. Em primeiro lugar é necessário ter um método capaz de avaliar uma dimensão de tempo tão vasta quanto do tempo geológico. Esse problema foi resolvido com o advento dos métodos de datação radiométrica utilizando elementos com meia-vida longa. O outro ponto, de mais difícil solução, é a escolha do material a ser utilizado para a datação. Depois de sua formação a Terra sofreu intensa diferenciação que resditribuiu os elementos químicos e moficou as concentrações pai-filho originais.
               Após serem desenvolvidos os métodos de datação radiométrica, o passo seguinte dos geocronólogos foi o de tentar datar a idade da Terra. Essa nova jornada, entretanto, mostrou-se mais complexa que originalmente imaginado. Diversas rochas consideradas muito antigas foram datadas, mas o resultado revelou-se decepcionante. As idades mais antigas inicialmente encontradas foram de apenas 2 – 2,7 Ga (as idades mais antigas encontradas até hoje são de ± 4 Ga).
               Reconhecendo a dificuldade de achar na Terra um material original, Patterson (1950) resolveu analisar rochas extraterrestres para obter a idade da Terra, i.e. a idade de formação dos planetas do sistema solar. Aplicando o método de datação U/Pb em condritos, Patterson obteve a idade de 4,55 Ga para a formação da Terra. Essa abordagem é procedente já que os condritos representam fragmentos de planetesimais não diferenciados (ver Dados Físicos da Terra) e, portanto, correspondem aos materiais mais primitivos do Sistema Solar.
               Tentando obter essa mesma idade em materiais terrestres, Patterson utilizou meteoritos sem traços de U, mas com Pb, para determinar a composição isotópica original do Pb quando na formação do sistema solar e planitesimais. Conhecendo a proporção de Pb original Patterson era capaz de descontar a quantidade original elementos-filhos de Pb dos sistemas químicos terrestres. Mas o que datar?  Procurando encontrar sistemas químicos que representassem a média composicional da crosta e manto terrestre, Patterson analisou nódulos manganês nos sedimentos marinhos (média da crosta) e basaltos do Havai (média do manto), descontou o valor de Pb orginal e obteve a idade de 4,55 Ga. Desde então esta é considerada a idade da Terra.
               Apesar da engenhosidade da abordagem de Patterson, a idade obtida para os materias terrestres corresponde à idade de formação do núcleo, manto e crosta, i.e. é uma idade mínima para a Terra (Ozima 1989). De fato, a datação da idade de formação da Terra não pode ser obtida a partir de nenhum material terrestre, já que a Terra sofreu diferenciação após a sua formação. Assim, os resultados obtidos a partir de materiais terrestres podem ser considerados apenas como idade mínima para a origem do planeta, muito embora sejam de extrema importância para entender sua evolução através dos tempos. A idade da Terra de fato só pode ser obtida através de métodos indiretos, como o da datação dos meteoritos.
               O que pensaria uma borboleta que possue uma vida de apenas um dia sobre uma sequoia que perdura por milhares de anos? Provavelmente acreditaria que a sequoia esteve sempre ali, imutável, estática e sem vida. Já um outro observador, de vida mais longa, poderia acompanhar diversas etapas da vida da sequoia, ver seu nascimento e seu crescimento, apenas porque vive em uma escala de tempo mais compatível com as taxas dos processos vitais dessa árvore. Nós humanos estamos para a Terra assim como a borboleta está para a sequoia. Ou seja, de modo geral não somos capazes de abstrair o significado da escala de tempo dos processos geológicos. O intervalo de tempo que compreende toda a história da Terra, desde sua formação até o período atual, é o que denominamos de Tempo Geológico. Ou seja, o Tempo Geológico corresponde aos 4,6 bilhões de anos da Terra.
               Será que você é capaz de imaginar o que significa todo ese intervalo de tempo? Provavelmente não. Para melhor compreender essa escala de tempo nos podemos fazer uma pequena simulação:
"Imagine que os 4,5 bilhões de anos da Terra foram comprimidos em um só ano (entre parênteses colocamos a idade real de cada evento). Nesta escala de tempo, as rochas mais antigas que se conhece (~3,6 bilhões de anos) teriam surgido apenas em março. Os primeiros seres vivos (~3,4 bilhões de anos) apareceram nos mares em maio. As plantas e os animais terrestres surgiram no final de novembro (a menos de 400 milhões de anos). Os dinossauros dominaram os continentes e os mares nos meados de dezembro, mas desapareceram no dia 26 (de 190 a 65 milhões de anos), mais ou menos a mesma época em que as montanhas rochosas começaram a se elevar. Os humanóides apareceram em algum momento da noite de 31 de dezembro (a aproximadamente 11 milhões de anos). Roma governou o mundo durante 5 segundos, das 23h:59m:45s até 23h:59:50s. Colombo descobriu a América (1492) 3 segundos antes da meia noite, e a geologia nasceu com as escritos de James Hutton (1795), Pai da Geologia Moderna, há pouco mais que 1 segundo antes do final desse movimentado ano dos anos." (extraído de Eicher, 1968)
               O tempo geológico está dividido em intervalos que possuem um significado em termos de evolução da Terra. A escala do tempo geológico, cujo esqueleto rudimentar foi estabelecido ainda no século XIX , está dividida em graus hierárquicos cada vez menores da seguinte forma:
*             Éons (Hadeano, Arqueano, Proterozóico e Fanerozóico);
*             Eras (apenas no Éon Fanerozóico: Paleozóica, Mesozóica e Cenozóica);
*             Períodos (para cada uma das eras do Fanerozóico);
*             Épocas (subdivisões existentes apenas para os períodos do Cenozóico).

Figura 12 – Escala do Tempo Geológico com alguns eventos geológicos importantes assinalados.

               Essas subdivisões foram estabelecidas ainda antes do desenvolvimento dos métodos de datação absoluta. As subdivisões de tempo definidas, portanto, não representam intervalos de tempo equivalentes, mas refletem a possibilidade de desvendar os detalhes da evolução geológica em todos os tempos. O registro geológico mais recente é mais completo e apresenta maior número de fósseis, permitindo delimitar intervalos temporais menores. O registro da evolução geológica antiga é muito mais fragmentado e com a ausência de fósseis possibilita apenas a delimitação de intervalos de tempo maiores, marcados por grandes eventos globais.

Figura 13 – A história geológica da Terra é atualmente descrita por uma espiral temporal indicando que processos atuais ocorreram no passado (Uniformitarismo), mas não da mesma forma, com mesma intensidade e não necessariamente todos os processos do passado ocorrem no presente e vice-versa.

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